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Octávio Ianni morre aos 77

5 de abril de 2004

Agência FAPESP - A imagem do atuante Octávio Ianni, até os últimos momentos de vida, vai prevalecer entre aqueles que viviam o dia-a-dia das ciências sociais brasileira. Os textos que escreveu, publicados muitas vezes em pequenos grandes artigos em vez de impactantes livros, igualmente vão continuar como referências bibliográficas, ainda mais com a crescente complexidade da chamada globalização. A personalidade crítica do intelectual, morto no domingo (4/4) vítima de câncer e enterrado ontem em Itu (SP), onde nasceu, também deverá continuar a instigar novos pensadores.

O sociólogo Ianni, que estava internado desde segunda (29/0) em São Paulo, surgiu para o mundo acadêmico nos anos 50 e, na década seguinte já se tornara uma referência entre os estudiosos das ciências sociais. Ele era um dos integrantes da Escola Sociológica de São Paulo, ao lado de Florestan Fernandes, morto em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso, outro nome daquele grupo de sociólogos da Universidade de São Paulo, estava na Presidência da República.

Dentro da reconstrução histórica das ciências sociais do Brasil, as pesquisas do grupo liderado por Florestan sobre relações raciais no Brasil abriram um novo capítulo. A estrutura de classes no país, a história do negro como escravo, depois como trabalhador livre mas marcado pelo preconceito, passaram a receber uma visão marcadamente sociológica. “Em perspectiva ampla, a história do mundo moderno é também a história da questão racial, um dos dilemas da modernidade”, escreveu Ianni em um artigo recente publicado na revista eletrônica Com Ciência.

Depois de ser cassado pelo Ato Institucional AI-5 e deixar o Brasil, Ianni regressou em 1977. Tornou-se professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nos últimos anos, interessadíssimo no que ele chamava de globalismo, apesar de aposentando oficialmente, continuava freqüentando sua sala no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp), instituição da qual era professor emérito.

“Trata-se de um novo ciclo da história, no qual se envolvem uns e outros, em todo o mundo”, escreveu no artigo As ciências sociais na época da globalização publicado em 1998 pela Revista Brasileira de Ciências Sociais. Dividindo os estudos sobre globalismo entre sistêmicos e históricos, Ianni defendia, nesses últimos anos de vida, a presença de megateorias para explicar as rápidas transformações globais. “Não se trata mais apenas da controvérsia modernidade e pós-modernidade, ou universalismo e relativismo, individualismo e holismo, pequeno relato e grande relato, microteoria e macroteoria” dizia.

Com trabalhos ainda sobre populismo, capitalismo no Brasil e imperialismo, Ianni era um crítico da globalização. Da teoria, principalmente em se tratando de países subdesenvolvidos como é o caso do Brasil, ele passava para prática. "Uma das conseqüências mais imediatas, evidentes e generalizadas do desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo global é o crescente enfraquecimento ou mesmo evidente dissolução do tecido social", afirmava. Para ele, o caminho trilhado pelo Brasil é o de se transformar em mera província do capitalismo mundial.

O sociólogo não poderia também se furtar de se posicionar no campo político nacional. Crítico do neoliberalismo e, por conseqüência, da política desenvolvida pelo seu amigo dos tempos de USP, Fernando Henrique Cardoso, Ianni também não escondia sua insatisfação com o governo atual, segundo entrevistas dadas por ele nos últimos meses. Em nota oficial emitida ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte do sociólogo. “Ianni deixa uma obra inspiradora para todos os que se empenham em favor da igualdade racial, da reforma agrária, do desenvolvimento e da soberania do Brasil”.

Na última reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em outubro, Ianni, mesmo já doente, não deixou de protagonizar um dos momentos mais empolgantes do encontro. Ele de um lado e o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira de outro. O motivo não poderia ser outro: a política econômica oferecida aos brasileiros na última década.




Página atualizada em 21/01/2020 - Publicada em 05/04/2004