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21 vezes Lasar Segall
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – A exposição com as 21 reproduções das obras do artista Lasar Segall que ilustram o Relatório de Atividades 2007 da FAPESP foi inaugurada nesta terça-feira (9/12), em São Paulo, na sede da Fundação. A mostra ficará aberta ao público até o dia 29 de dezembro.
O evento teve a participação do presidente da FAPESP, Celso Lafer, o secretário do Ensino Superior de São Paulo, Carlos Vogt, e do diretor do Museu Lasar Segall, Jorge Schwartz. Também estavam presentes o empresário José Mindlin e o diretor administrativo da FAPESP, Joaquim José de Camargo Engler.
O relatório, que apresenta os números do fomento realizado pela Fundação em 2007, homenageia Segall, um dos principais nomes da arte moderna brasileira, com a reprodução de quadros a óleo, aquarelas, gravuras e desenhos do artista.
De acordo com Schwartz, a mostra reúne obras representativas de todas as fases do trabalho de Segall. “Essa exposição faz uma síntese de toda a cronologia da obra de Segall. A seleção foi feita com base nas coleções de instituições públicas brasileiras e no nosso acervo, que reúne 3.011 imagens – incluindo óleos, aquarelas, gravuras, desenhos e esculturas – digitalizadas com o objetivo de organizar, futuramente, um catálogo da obra completa do artista”, disse Schwartz à Agência FAPESP.
Segundo o diretor do museu, a seleção inclui amostras da fase expressionista, da fase brasileira, das temáticas relacionadas à Segunda Guerra Mundial e ao holocausto, culminando com a fase das florestas, produzida já na década de 1950.
“A inclusão de obras de arte em um relatório de atividades institucional é uma iniciativa original, que faz um contraponto extraordinário à aridez dos números. Além de tornar o relatório visualmente atraente, a idéia se traduz em uma importante forma de divulgação da obra do artista”, declarou.
Pelo terceiro ano consecutivo o Relatório de Atividades da FAPESP homenageia artistas plásticos paulistas. A edição relativa às atividades de 2005 reproduziu obras de Francisco Rebolo(1902-1980). O relatório de 2006 homenageou Aldo Bonadei (1906-1974).
Para Lisbeth Rebollo Gonçalves, diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), a iniciativa representa uma valorização do campo da cultura e das artes do ponto de vista da ciência.
“É uma aproximação importante entre arte e ciência e o material resultante é de altíssima qualidade. Gostaria que as empresas brasileiras também valorizassem dessa maneira nossos artistas, nosso patrimônio cultural e os acervos das instituições públicas”, declarou Lisbeth, que é filha de Francisco Rebolo.
Cores sobrepostas
Segall nasceu em 1891 em Vilnius, na Lituânia – na época parte do império russo. Em 1906, mudou-se para a Alemanha, onde freqüentou as academias de Berlim e Dresden. Foi um dos fundadores da Secessão de Dresden – Grupo 1919. Participou de importantes coletivas, como a Exposição Internacional de Arte de Düsseldorf, em 1922, e realizou exposição individual no Museu Folkwang, em Hagen, em 1920.
De acordo com a crítica e historiadora da arte Vera D’Horta, que escreveu o texto sobre o artista publicado no verso das capas do relatório e participou do processo de tratamento das imagens, Segall migrou para o Brasil em 1923, quando já era artista reconhecido na Europa. Em São Paulo, foi acolhido com entusiasmo pelos artistas modernistas.
Influenciada pelo expressionismo alemão, sua obra passou por uma visível transformação depois de sua emigração para o Brasil. “A fase brasileira foi pontuada pela luz tropical, a exuberância da vegetação e dos tipos humanos, especialmente os negros das favelas. Toda sua trajetória foi marcada por um profundo humanismo”, disse Vera à Agência FAPESP.
Depois de voltar à Europa, vivendo em Paris entre 1928 e 1932, Segall retornou ao Brasil. Morou em São Paulo, na casa que hoje é sede do Museu Lasar Segall, até sua morte em 1957.
Segundo Vera, as cores utilizadas por Segall tornam a tarefa de reproduzir suas obras extremamente difícil. “O tratamento das imagens não foi fácil, porque ele não utilizava cores puras. Ele utiliza muito, desde suas primeiras obras, uma técnica na qual as cores são compostas de uma sobreposição de várias outras cores. O resultado é uma ‘cor Segall’, única na pintura brasileira. Não existe nenhuma possibilidade de ninguém reproduzir isso”, disse.
Para a historiadora, a intrincada composição das cores usadas por Segall se relaciona simbolicamente com as camadas culturais sobrepostas que formam a própria personalidade do pintor. “A obra dele reflete de várias formas as várias culturas às quais Segall esteve submetido, desde sua origem na capital lituana. No entanto, ele não se sentia lituano e sim russo, já que a comunidade judaica estava mais ligada ao império russo”, disse.
Segundo Vera, as obras que fazem parte da exposição têm grande relevância histórica. A pintura “Eternos caminhantes”, de 1919, por exemplo, foi comprada em 1920 pelo Museu Municipal de Dresden, na Alemanha. Com a ascensão do nazismo, a obra foi relegada aos porões do regime totalitário.
“Essa obra, como o auto-retrato incluído na mostra da FAPESP, fazia parte da exposição ‘Arte Degenerada’, organizada por Hitler em 1937 para apresentar a arte supostamente doentia produzida por artistas que são hoje os grandes mestres do modernismo. O quadro também aparece por exatos 11 segundos no filme Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen, que retrata aquele contexto”, afirmou.
Segundo ela, “Eternos caminhantes” foi parar em uma coleção particular na Europa e Segall foi informado do paradeiro da obra apenas no fim de sua vida, em 1954. Depois da morte do artista, sua mulher, Jenny Klabin Segall, conseguiu comprar o quadro de volta.
Pintura do pensamento
“Todos os quadros cujas reproduções foram incluídas no relatório da FAPESP têm grande importância do ponto de vista da representatividade da produção de Segall”, disse Vera. Segundo ela, boa parte da mostra inclui reproduções de quadros da “fase brasileira”, denominação dada pelo escritor Mário de Andrade, como “Paisagem brasileira”,”Retrato de Baby de Almeida”, “Retrato de Mário de Andrade” e “Menino com lagartixas”.
“Nessa fase, Segall estava encantado com o colorido do Brasil e, sem dúvida, influenciado pelos modernistas brasileiros como Tarsila do Amaral. No segundo plano desses quadros se percebe uma tendência de origem francesa, provavelmente adquirida através da visualidade desde os modernistas brasileiros. Tudo, evidentemente, com a interpretação única de Segall”, afirmou.
Segundo Vera, há um visível apaziguamento da pintura de Segall na década de 1930, quando o artista voltou de Paris. Nesse momento, pode-se dizer que a fase brasileira está praticamente encerrada. Segall começou a partir daí a trabalhar também com esculturas.
“Sua experiência com a argila e, seguramente, a influência de Paul Cézanne levam a pintura de Segall a se tornar mais marrom, com vários tons de ocre. Ele passa gradualmente para uma pintura mais matérica, com suas figuras se tornando arrendondadas, escultóricas. Toda sua pintura posterior reflete esse ganho da experiência com a escultura. De forma sintomática, ele começa a agregar areia na pintura a óleo”, explicou.
Apaixonado por Campos do Jordão (SP), que conheceu em 1935, Segall se identificou com a vegetação e a atmosfera da região. Ali, de acordo com a historiadora, o artista passou para a “fase das florestas”. Ao contrário de outros críticos de arte, Vera não acredita que essa fase signifique um movimento em direção à abstração.
“Em 1951, na 1ª Bienal, a abstração havia chegado para ficar. As florestas, que são as últimas pinturas de Segall, parecem despojadas, às vezes representando apenas linhas e faixas e parecem indicar um namoro com essa tendência. Mas não acredito nisso. Certamente ele ficou sensível ao movimento, mas acho que na pintura dele não havia lugar para a abstração formal”, disse.
Para Vera, as florestas de Segall são mesmo as florestas de Campos do Jordão, nas quais ele entrava para pintar. “São sensações de cor e de luz que estão de fato no interior da floresta. Certamente o aspecto das florestas da região, diferente da exuberância e do exotismo tropical, faziam com que ele lembrasse das florestas da Lituânia, cuja luz cambiante e única ele menciona abundantemente em textos autobiográficos”, declarou.
De acordo com a historiadora, a pintura de Segall não se reduz aos aspectos formais. “É uma pintura extremamente reflexiva, demorada, na qual se percebem inúmeras camadas de cor. Ao observá-la, vemos um pensamento acontecendo. A pintura dele não é apenas formal”, explicou.
Acesse a exposição em: www.fapesp.br/publicacoes/lasarsegall